por Cristiane A. Sato
observação: a respeito de HISTÓRIA DO QUIMONO e QUIMONOS TRADICIONAIS, ver em CULTURA TRADICIONAL (http://www.culturajaponesa.com.br).
Quimono moderno: o lado fashion do estilo tradicional
O que é um quimono moderno?
“Quimono moderno” é o quiimono que não é um quiimono histórico ou uma antiguidade têxtil. Significa que não é uma reprodução de algum quimono de época e nem uma peça de museu. Quimono moderno são os quimonos de uso cerimonial, festivo ou cotidiano feitos na Era Showa (1926-1989) – os desta época também são chamados de “quimonos vintage” – e na Era Heisei (1989 até hoje).
Muita gente acha que pelo fato do Japão ter se tornado uma nação industrializada e moderna, o quimono deixou de ser usado e virou um mero traje folclórico. Achar isso é um equívoco. O traje folclórico é uma roupa que foi bastante usada num passado relativamente recente e que chegou a ser sinônimo de um povo, mas que deixou de ser usado e de evoluir. O quiimono ainda faz parte do senso de moda no Japão, e continua evoluindo à medida que gostos e estilos de vida estão se transformando no Japão moderno, portanto não pode ser considerado um traje em desuso ou meramente folclórico. A prova disto é que revistas de moda japonesas, ainda que destaquem estilos ocidentalizados, publicam com freqüência fotos e artigos sobre o uso atual de quimonos.
Quem no Japão de hoje usa quimono todos os dias?
Quem quiser pode usar quimono todos os dias, desde que não tenha alguma restrição de ordem profissional, como a obrigatoriedade de uso de um uniforme. Infelizmente, como boa parte das atividades profissionais civis e todas as de caráter militar implicam no uso de um uniforme à ocidental, isso acaba restringindo o uso do quimono diariamente.
Em algumas famílias abastadas e tradicionalistas, o uso diário de quimonos em casa ou para sair não foi abandonado. Monges e monjas budistas os usam o tempo todo. Duas atividades tradicionalmente praticadas por mulheres e valorizadas na sociedade fazem com que essas profissionais usem quimonos cotidianamente: as gueixas e as hoteleiras, mais especificamente as proprietárias deryõkans (hospedarias tradicionais) e spas de luxo. Outra profissão, não muito tradicional nem tão requintada quanto a das gueixas e a das hoteleiras, mas na qual se usa o quimono com certa freqüência, é a das mama-sans (senhoras que gerenciam bares).
O tipo de quimono mais usado dentro e fora do Japão é o happi. Versão popular do haori, o happi é um quimono curto com mangas estreitas usado como jaqueta ou avental desde a Era Edo (1600-1867), no qual se imprimiam símbolos que indicavam a profissão de quem o vestia ou nome do estabelecimento comercial para o qual a pessoa trabalhava. Hoje é usado diariamente e principalmente por pessoas que trabalham com comida, como os sushimen e sushichefs.
Quanto custa um quimono?
Isso varia muito. Um quimono de seda básico completo – incluindo a roupa de baixo e acessórios obrigatórios, num total de 12 peças – não sai por menos de 2 mil dólares. Isso é aplicável a um modelo de uso cotidiano. Um quimono mais fashion, com estampas modernas ou geométricas, 3 mil dólares. Quimonos cerimoniais ou de padrão tradicional em geral variam de 5 mil a 10 mil dólares, mas não é raro custarem até mais. Uma das razões para um quimono custar tanto é o grau de trabalho artesanal que seu feitio e decoração demandam. Os quimonos de seda são inteiramente feitos à mão e não são feitos dois iguais. Cada um torna-se uma pintura, uma obra de arte única.
O tecido para quimono é vendido em rolos chamados tanmono. Cada tanmono tem a quantidade exata de tecido para se fazer um quimono: 13,5 metros de comprimento. Mas a largura do tanmono varia: 38 centímetros se for um tanmono para quimono feminino, e 40 centímetros se for um tanmono para quimono masculino. O que é curioso – até engenhoso – no tanmono é que as estampas estão feitas em pontos estratégicos do tecido, de modo que os desenhos se juntam ou ficam em locais previamente calculados para quando o quimono for montado na forma final. Essa característica do tecido faz com que seja necessária uma certa habilidade – as “manhas” – para se fazer um quimono, pois não há margem de erro. Não se pode desperdiçar nenhum centímetro do tanmono, e se algo for feito de errado durante o corte e a montagem do quimono, a estampa deslocada denunciará a falha.
Custo é uma das razões para o quimono ser uma presença no guarda-roupa dos japoneses ricos e que querem reconhecimento como elegantes e cultos. Se a pessoa for mais tradicionalista, ela ou ele irá procurar as cores típicas de cada estação e estampas correspondentes. Se for mais moderna, ela ou ele não irá se incomodar com o código de cores, procurará estampas com as quais se identifique e usará o obijime (cordão de acabamento usado sobre o obi) com nós diferentes ou na diagonal. Não é por acaso que as celebridades e membros do showbiz nipônico não dispensam o quimono. Por outro lado, custo também é uma das razões para seu uso restrito nos dias de hoje. Sai caro usar quimono todos os dias, pois há também o custo de limpeza e manutenção. Excetuando os de algodão, que podem ser lavados com água – embora isso desgaste o tecido mais rápido do que a lavagem a seco – os de seda são muito frágeis e não podem ser lavados a seco do mesmo modo que ternos e vestidos. É preciso levar a serviços especializados, que sabem desmontar todo o quimono, limpar o tecido adequadamente, e recosturá-lo.
É complicado vestir um quimono?
Para quem não tem as “manhas”, é. Uma das características do quimono é seu corte reto e amplo, feito propositalmente para ajustar-se ao corpo de quem o veste e que, por isso, permite que o mesmo quimono possa ser usado por pessoas de diferentes tamanhos (dizem que Yohji Yamamoto inspirou-se nessa característica do quimono para criar o conceito do one size fits all para roupas ocidentais). Entre os japoneses quimonos e obis integram heranças – as melhores peças passam de geração a geração, como jóias de entes queridos que se foram. Para o quimono ser ajustado ao corpo compensa-se a simplicidade do corte com uma técnica de amarras e dobras artísticas, e acessórios de fixação e sustentação dos tecidos. Usar um quimono exige know-how e etiqueta – a técnica de vestir quimonos é chamada de kitsuke. Mas este é um conhecimento que nem sempre os mais jovens preocupam-se em adquirir, e infelizmente fortunas em seda e brocados têm sido negligenciadas.
Existe um aspecto que ocidentais em geral têm muita dificuldade para entender em se tratando de quimonos. Para os japoneses, o quimono é mais que uma roupa: é estilo de vida e religião. Um quimono não é algo a ser descartado na próxima estação, depois de alguns usos. O quimono está ligado à religião xintoísta e aos fundamentos da filosofia e da cultura japonesa, de forma que vestir um quimono sem praticar a etiqueta correta chega a ser ofensivo aos japoneses. Assim, não basta ter dinheiro para comprar um quimono e saber como vesti-lo – é necessário aprender como se portar usando um quimono. Para isso existem cursos e livros especializados em o kitsuke. Os verdadeiros praticantes de Cerimônia do Chá também aprendem o kitsuke, pois uma coisa está ligada à outra.
Nos cursos de kitsuke a pessoa aprende não apenas a vestir adequadamente o quimono, mas também a usar o quimono nas mais variadas situações (andar, sentar-se, comer, servir, etc.), a pentear-se, maquiar-se e a fazer a manutenção do quimono (dobrar e guardar corretamente a peça, pequenas limpezas, etc.).
Se por um lado custo e conhecimento dão ao quimono uma aura de roupa elitista, estilistas e lojas especializadas no Japão estão procurando difundir cada vez mais o conceito do fashion kimono – quimonos semi-industrializados, em tecidos mistos, com cores e estampas modernas, que sejam mais acessíveis ao bolso e ao gosto de uma clientela jovem com estilos de vida urbanos. São quimonos de uso diário, que precisam ser confortáveis, fáceis de vestir, mas que mantenham o ar de elegância tradicional. Para isso novidades como obis de nó pronto em tecidos que não deformam e que podem, por exemplo, ser usados por quem guia um carro, fazem parte de uma série de inovações que visam fazer com que o quimono continue em uso.
Existe quimono de grife?
Alguns estilistas que já fazem sucesso com moda ocidentalizada produzem acessórios para quimono com suas assinaturas, para comercialização exclusiva no Japão. Mas ter um Jotaro Saito é um sonho de consumo para as mulheres que curtem um luxury fashion kimono.
Desconhecido no exterior mas famoso no Japão, o estilista Jotaro Saito vem dando new glam ao estilo tradicional, lançando luxuosas coleções de quimonos com toques de modernidade nas edições da Japan Fashion Week.
Existe no Japão algum preconceito em relação às roupas ocidentais?
Hoje, não. Mas tem gente que ainda acredita nessa idéia de conflito entre o ocidental e o oriental na moda do Japão porque houve tempos em que isso de fato ocorreu – mais especificamente na Era Meiji (1868-1912). A origem dessa discussão foi um conflito político e ideológico que dividiu o país e causou uma guerra civil.
No século XIX as potências ocidentais industrializadas implantaram uma corrida colonialista na África e na Ásia, e o Japão da época era uma nação isolada do mundo, com uma sociedade feudal e economia agrária, dominada pelos xóguns da família Tokugawa. Em 1853 uma frota de navios americanos chegou à baía de Tóquio e exigiu a tiros de canhões que o Japão abrisse seus portos. Pouco tempo depois, os Estados Unidos conseguiram do xógum tratados comerciais extremamente favoráveis aos interesses americanos. A conseqüência disso foi que em seguida outras nações européias conseguiram dos japoneses tratados similares, que em poucos anos causaram uma grave crise econômica e política no Japão. Essa situação de coisas causou uma guerra civil no Japão em 1867, tendo de um lado os que defendiam a expulsão dos estrangeiros e o endurecimento do sistema xogunal, e do outro os que defendiam a devolução do poder ao Imperador e a industrialização do país em moldes ocidentais. Essa guerra terminou com a vitória dos que defendiam o Imperador, o que por tabela significou a extinção do sistema samurai, e a ocidentalização e industrialização do Japão.
Só que o fim dessa guerra por si não bastou para que o conflito político-ideológico também acabasse, e nos anos subseqüentes o Japão continuou dividido entre tradicionalistas e ocidentalizados. O filme “O Último Samurai” retrata esse período no Japão pois, à exceção do personagem do Tom Cruise, todo o resto do filme foi baseado em fatos históricos. Essa situação fez com que durante cem anos o debate entre tradição e ocidentalização tivesse defensores extremados de ambos os lados. No século XX, o caso mais famoso que encarnou esse conflito de valores foi o do escritor Yukio Mishima, que em 1970 cometeu haraquiri na sede das Forças de Defesa do Japão em protesto contra o excesso de ocidentalização do país.
A necessidade de industrializar-se rapidamente na Era Meiji fez com que o Japão passasse por um período de transformações radicais e intensas, inigualável até hoje em toda sua história. Em 1871 o governo japonês enviou uma missão diplomática chamada Missão Iwakura, que viajou por 3 anos pelos Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra para estudar a civilização ocidental, e que trouxe informações que mudaram as instituições, a economia e até o estilo de vida no Japão em moldes ocidentalizados. Moda e etiqueta ocidental fizeram parte do pacote. Cartilhas sobre vestuário ocidental foram desenhadas e publicadas, para que a população pudesse aprender a usar roupas européias.
A industrialização rápida e a passos largos fez com que uma classe de emergentes surgisse, formada por comerciantes, industriais e banqueiros. Chamados de narikins (novos-ricos), eles seguiam à risca a cartilha da ocidentalização promovida pelo governo Meiji: as mulheres vestiam-se na última moda de Paris, com vestidos drapeados, espartilhos e anquinhas, e os homens usavam fraques pretos e cartolas na última tendência de Londres. Nova elite do país, os narikins desprezavam tudo que remetia aos “velhos tempos”, inclusive os quimonos. Mas a aristocracia e membros do old moneynipônico viam os narikins como a platéia vê o personagem principal de “O Burguês Fidalgo” de Molière, e embora as roupas ocidentais fossem caras, o visual europeizado tornou-se sinônimo de gente rica mas nem sempre culta ou educada – algo importante num país onde ainda hoje etiqueta rege todas as relações humanas.
Foi assim que no século XIX criou-se a expressão wafuku para designar roupas de características japonesas e yõfuku para designar roupas ocidentais, e uma estranha relação de amor e ódio pelas roupas ocidentais teve início no Japão. Amor porque as roupas ocidentais, por um lado, inspiravam a riqueza e o glamour de um mundo que era desconhecido pelos japoneses. Ao mesmo tempo, por outro lado, havia ódio pois a roupa ocidental era um símbolo da invasão estrangeira e de seu menosprezo pelas tradições japonesas.
Essa dicotomia na moda japonesa teve períodos de maior e menor intensidade ao longo do século XX, mas a resistência às roupas ocidentais praticamente não existe mais. Atualmente a dicotomia deu lugar a um consumo apaixonado por marcas, que deu aos japoneses a fama de ávidos compradores de grifes e acessórios de luxo. E se durante décadas os japoneses copiaram modelos e tendências do eixo Paris-Londres-Nova York, atualmente a moda ocidental recebe muita influência das passarelas e das ruas japonesas. Ao invés de ocidente versus oriente, o que vemos hoje é que a moda no Japão propõe uma inventiva e surpreendente mistura de ambos os mundos.
Existe diferença nas roupas ocidentais feitas para o mercado japonês?
O mercado japonês para roupas ocidentalizadas tem algumas particularidades. A modelagem no Japão é um pouco diferente da européia e da americana, devido a características físicas da população e a gostos locais. Para os homens, a roupa ocidental é sinônimo de praticidade, e para as mulheres além de praticidade existe o yume (sonho), seja de consumo ou de romantismo, que o ocidente lhes inspira. Homens e mulheres no Japão preferem bolsas pequenas ou médias (no Japão os homens são grandes consumidores de bolsas, e usam cores tidas como exclusivamente femininas no ocidente, como os tons claros de rosa e pêssego, são consideradas unissex no Japão). Para agradar as japonesas, estilistas ocidentais procuram introduzir detalhes delicados, tons pastéis, estampas florais e laços em roupas e acessórios, mesmo quando o romantismo adocicado não é a tendência na Europa e nos Estados Unidos.
Grafia correta: em inglês “kimono”, em português prefira “quimono”.
Veja a continuação: Moda Japonesa – Geral e Estilistas Japoneses
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